RIO – O mercado de trabalho brasileiro está mais desigual. Levantamento inédito do economista Sergei Soares, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pesquisador visitante do Centro Global de Desenvolvimento, em Washington, revela que o Índice de Gini, indicador mais usado para medir o nível de distribuição de renda, aumentou nos dois últimos trimestres no mercado de trabalho.
Com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, que traz informações sobre todo o país, Soares viu que o índice — que varia de zero a um e quanto mais perto de zero, mais igual é a sociedade — subiu de 0,5084 no primeiro trimestre deste ano para 0,5178 de julho a agosto. A conta foi feita com base no rendimento efetivo dos trabalhadores, no qual entram além dos salários, rendas eventuais ou benefícios como décimo terceiro e férias.
— A desigualdade certamente não está caindo mais, depois de 15 anos de queda quase ininterrupta, possivelmente está voltando a aumentar. Espero que temporariamente — afirmou Soares.
Segundo o economista, fatores mais estruturais, como a melhoria na escolaridade dos trabalhadores, vão ao encontro de maior igualdade no mercado a longo prazo. A recessão, por sua vez, pode ser a explicação para essa mudança de tendência.
— Nem sempre a desigualdade aumenta quando há crise econômica. Os ricos podem perder mais que os pobres e a distribuição de renda melhorar. A recessão explica em parte essa piora na distribuição.
Especialista em mercado de trabalho, o professor do Instituto de Economia da UFRJ, João Saboia vê motivos claros para o aumento da desigualdade. A qualidade do emprego, medida pela carteira de trabalho assinada e pela renda, vem caindo, lembra Saboia. No ano passado, a desigualdade, mesmo com baixo crescimento, ainda cedia.
— O ano de 2015 está muito ruim para o mercado de trabalho. Há muita demissão, com redução da carteira assinada, crescimento do número de trabalhadores por conta própria e dos empregados sem carteira assinada, piorando a situação desse povo — diz o professor.
A taxa de desemprego vem subindo sistematicamente desde o início do ano. No último trimestre de 2014, de acordo com a Pnad Contínua, a parcela da força de trabalho sem emprego era de 6,5%. No terceiro trimestre deste ano, já era de 8,9%. Historicamente, as taxas de desemprego começam a cair no segundo semestre. Mas a recessão mudou o padrão sazonal do mercado, que costuma contratar para atender a demanda de fim de ano. Nas metrópoles, observa-se o mesmo movimento. A taxa subiu de 5,3% em janeiro para 7,9% em outubro.
IMPACTO DA RECESSÃO
Saboia diz que as categorias mais organizadas e com salários melhores, como metalúrgicos, petroleiros e bancários, conseguiram algum aumento real nos últimos meses, mas na base da distribuição, esse movimento não aconteceu.
—Na base é o salário mínimo. Com a inflação aumentando e sem crescimento, há perda de renda na base — afirma.
Até julho deste ano, o salário mínimo já perdeu 5,3% do seu poder de compra. Segundo Soares, a dinâmica demográfica não deixa a situação do mercado piorar ainda mais. Ele observa que, apesar de a recessão ser a pior desde a queda de 4,3% no governo Fernando Collor, em 1990, não há uma subida forte do desemprego nem queda intensa da renda:
— Na década de 1980, a economia ficou estagnada e a situação ficou muito pior (a população crescia 2,8% ao ano, atualmente esse avanço está perto de 1%). Com menos expansão da mão de obra, com mercado de trabalho mais apertado, a piora não será tão grande.
Fonte: O Globo
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