Para onde iremos com esse tipo de movimento, que segrega os que surgem como militantes
Por Marcelo Abrahão*
No Brasil, muito se tem falado em relação ao movimento negro que aqui existe, porém a meu ver, não é só o negro que sofre com a descriminação neste país, que tem na sua grande maioria a população negra. Quando olhamos para o novimento negro norte americano, vemos que a grande dificuldade lá encontrada, foi sanada com o posicionamento de grandes líderes negros que empunharam a bandeira da igualdade racial tal como a necessidade que nós temos de respirar.
Na década de 1960, Malcolm X, com um discurso mais virulento pela igualdade racial, e Martin Luther King Jr., um pacifista, reclamaram o fim da discriminação institucional. A marcha sobre Washington e a concessão do Prêmio Nobel da Paz à King em 1964 trouxeram a atenção mundial para a causa afro americana. A Lei de Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos ao Voto de 1965, ambas promovidas pelo presidente Lyndon Johnson, do Partido Democrata, sacramentou as conquistas dos negros, assegurando assim o fim da segregação racial em espaços públicos, ainda que sejam propriedade privada, e o voto universal, independentemente de nível educacional ou condição social.
Começava aí uma conquista não apenas de reconhecimento civil, mas de pessoas com direitos iguais a dos demais cidadãos que compunham aquele país, embora sendo uma minoria de pouco mais de 12%, os negros norte americanos, tem uma maior e melhor força política nacional se comparada a dos brasileiros, isso porque com o direito de voto, os governos federais norte americanos passaram de impositor da desigualdade racial para um ativo e poderoso oponente da discriminação racial e criador das oportunidades para o povo negro e outras minorias raciais, como os índios americanos, porto-riquenhos e mexicanos, atingindo assim áreas como educação, moradia e emprego.
Nos últimos cento e poucos anos, nota-se uma progressão, desde o movimento abolicionista dos anos 1870 e 80, por meio das organizações culturais e políticas no Brasil, mostrando que esses movimentos são uma evidência conclusiva da contínua existência da discriminação e desigualdade racial na sociedade brasileira.
Desde 1945 esses movimentos têm atraído o apoio de dezenas de milhares de militantes e têm sido instrumento de estímulo à continuidade do debate público-político sobre as dificuldades raciais dos brasileiros. Mas nenhum deles conseguiu gerar um movimento de massa, com o peso moral e político que fez Martin Luther King em seu país. Isso talvez ocorra por termos uma postura de caráter paternalista e autoritário das relações sociais e políticas no Brasil, que, mesmo durante períodos de democracia, torna muito difícil construir um movimento verdadeiramente político autônomo, nacional que realmente atinja as camadas mais necessitadas do nosso país, não somente os negros, mas também as mulheres, índios e pessoas com deficiência.
Como já é notório, ausência de um limite claramente estabelecido entre negro e branco, no Brasil torna possível a cooptação, por parte dos grupos raciais brancos, de afro-brasileiros quando talentosos e ambiciosos. Tais indivíduos permanecem na camada racial negra e assumem posições de liderança dentro dela. Mas, infelizmente, não é impossível para eles negar a sua negritude de fato, mas, manter a sua identidade afro-brasileira pode tornar-se um exercício consciente de força que muitos estão relutantes em assumir.
Quando olhamos a brutalidade e a crueza do racismo norte americano, que prova ser sua maior fraqueza observamos a flexibilidade e a sutileza do racismo no Brasil, que por sua vez, prova ser a sua maior força. A indignação moral contra a desigualdade racial é muito mais difícil de ser gerada em um país onde a discriminação se esconde sobre formas silenciosas e, às vezes, inconsistentes, tornando difícil identificá-la e transformá-la em ação política, impedindo assim a criação de um sentido de indignação contra o racismo e a triste necessidade de combater toda e qualquer série de injustiças que caracterizam a sociedade brasileira.
Por outro lado, os líderes negros têm gerado um substancial capital político, por chamarem a atenção pública para um dos mais brutais aspectos das relações raciais no Brasil que é a repressão policial contra afro-brasileiros e o preconceito de muitos cidadãos, de que “negro é bandido até que se prove o contrário". Denunciar essas práticas podem ajudar a gerar aquele senso de indignação moral que tem provado ser tão importante no movimento afro americano.
Não é por obra do acaso que o movimento negro tem sido mais ativo e tem alcançado seus maiores êxitos no Estado de São Paulo, onde felizmente temos um sistema mais agressivo de relações entre brancos e negros, mais próximo daquele que existe nos Estados Unidos.
Isso se deve também porque em 1980 todos os partidos legais reconheceram publicamente a existência de discriminação racial e desigualdade racial no Brasil. Três dos partidos de oposição o PMDB, PDT e PT, constituíram comissões especiais ou grupos de trabalho para preparar políticas nessa área. Quando tentamos colocar isso para outras áreas mais conservadoras do Brasil, a mobilização negra encontra obstáculos políticos, sociais e até mesmo raciais.
Desta forma, para conseguirmos mudar e dar de fato o valor que o negro tem e merece neste país é o dever de todos, não apenas de uma minoria e sim de todos que se dizem “brasileiros”, assumir a sua “negritude”.
Isto posto, vale lembrar que no Brasil o setor que mais lucra com a mão de obra dos brasileiros é o setor financeiro, que pouco faz para reduzir essa desigualdade social. Se você tem uma conta em qualquer banco desse país já deve ter percebido a quantidade de negros que ocupam cargos na linha de frente dos bancos. Muitos dizem e até pregam a “responsabilidade social”, porém apenas para cumprir alguma determinação governamental que lhe traga algum benefício. Essa é uma das lutas que vem sendo constantemente travada pelo Sindicato dos Bancários de Piracicaba e Região junto à Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) no objetivo de extirpar essa diferença e aumentar a contratações de funcionários negros nas instituições financeiras privadas, não para alocá-los nos setores apenas administrativos, mas nas funções de destaques dentro dos bancos. Pois acreditamos no potencial de todos, desde que a oportunidade seja dada a sua “capacidade profissional” e não pela cor de sua pele ou aparência física.
*Marcelo Abrahão é bacharel em direito e dirigente sindical do Sindicato dos Bancários de Piracicaba e Região
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