Para João Manuel Cardoso de Mello, que lecionou na Unicamp, ajuste fiscal do governo causa recessão e desemprego.
O ajuste fiscal promovido pelo governo provocará uma recessão brutal: o PIB pode despencar para -3%. O desemprego vai a 10% ou 12%. Se aprovada, a terceirização em debate no Congresso devastará o mercado de trabalho e achatará salários. Protestos virão, e a popularidade da presidente cairá a 7%.
A previsão é de João Manuel Cardoso de Mello, 73, em entrevista à Folha. Autor do clássico "O Capitalismo Tardio" (1975), ele foi professor da presidente Dilma Rousseff na Unicamp. Fundador do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas daquela universidade, ele criou a Facamp (Faculdades de Campinas), na qual hoje é diretor-geral.
Crítico da política econômica, ele diz que o governo cedeu a pressões do mercado financeiro e define como ilusão a ideia de que a recuperação virá no final deste ano.
Folha – Como vai o Brasil?
João Manuel Cardoso de Mello – Estamos numa estagnação há 30 anos, crescendo a taxas ridículas de 2% ao ano. A agricultura vai bem. O problema é a indústria. Temos 20 anos de câmbio valorizado. Não há quem resista. Câmbio valorizado, juros absurdos e um sistema tributário torto, que pune a produção.
Por que há estagnação?
Não temos estratégia nacional de desenvolvimento. Os problemas não foram enfrentados e se acumularam. Apareceu tudo agora. Vemos a cristalização de 30 anos de falta de estratégia, de projeto, de coordenação estatal.
Qual sua avaliação do ajuste fiscal de Joaquim Levy?
Isso entra na cabeça de alguém? Ele dá um choque de câmbio, um choque de custos, faz corte de gastos. Vai produzir uma recessão brutal. Está produzindo. Está tudo parado. Há preocupação com a perda do grau de investimento. E daí? É uma chantagem do mercado financeiro, que diz que precisa fazer um ajuste. Algum ajuste precisava fazer, mas não nessa violência. O governo cedeu à chantagem do mercado com a ameaça da perda do grau de investimento.
O que o governo deveria fazer?
Um ajuste mais moderado. Não precisa fazer uma barbaridade dessas. Isso vai jogar o negócio a -3% neste ano. A popularidade cairá ainda mais, vai chegar a 7% de aprovação.
Qual o impacto da terceirização em debate no Congresso?
Vai acabar com o mercado de trabalho. Estão achando que as pessoas vão fazer empresas. Vão é fazer cooperativas, que não pagam imposto. O estrago da terceirização é enorme em cima de uma crise desse tamanho. É uma devastação no mercado de trabalho. Vai desestruturar tudo e jogar os salários para baixo. É o que Levy quer: ajustar a relação salário/câmbio.
A população vai aceitar a mudança?
Acredito que não, portanto viveremos tempos interessantes, muito difíceis. As pessoas foram para a rua porque estão cheias. A economia já vinha mal, não foi de agora. Ela [Dilma] perdeu dois terços dos seus eleitores e vai perder mais um outro pedaço. É uma ilusão dizer que vai haver recuperação no fim do ano. Com essa recessão terrível, a arrecadação está despencando. Se se precisava de R$ 60 bilhões, agora são R$ 80 bilhões, amanhã R$ 100 bilhões. Aí se corta mais e se joga para baixo outra vez.
Aonde isso vai parar? Não haverá recuperação. As apostas [para o PIB] vão de -1,5% e -3%. No ano que vem não recupera. Alguém investe algum centavo?
Os bancos estão cortando crédito, os juros, subindo, uma loucura.
Como fica o nível de emprego?
As demissões ainda não começaram porque existem os acordos coletivos. Em maio e junho vai começar a demissão em massa. O desemprego vai para 10%, 12% neste ano [está em 7,4%]. E vai rápido. A alta dos juros está paralisando a construção civil residencial. Não tem investimento em construção pesada, está se desmontando a cadeia de óleo e gás, a indústria continua encolhendo. Isso vai pegando os serviços. De onde vem a recuperação? Não sei de onde. Das concessões? Os filés aeroportos, estradas já foram feitos. Sobrou a carne de pescoço. Vão colocar dinheiro a 30 anos?
A operação Lava Jato está colocando em risco empreiteiras de capital nacional. Qual o impacto disso na economia?
Ninguém sabe. Tem corrupção. Tem que pôr os caras na cadeia, mas a empresa tem que ser mantida. Mas isso tem sido impossível. Os investimentos estão paralisados. E não é só na cadeia de óleo e gás. Todo o negócio de infraestrutura está sendo desarticulado
Fonte: Folha de S. Paulo, 5/5/15
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