Juro? Não. Banco quer reforma trabalhista

24.08.2016

A mudança foi percebida pelo setor privado já nas primeiras semanas do governo interino de Michel Temer. Ministros, secretários e até o presidente interino mostravam disposição em dialogar com executivos, empresários e banqueiros para a formulação de novas políticas. O cenário destoava daquele vivenciado no governo da antecessora, Dilma Rousseff, que muitas vezes chamava ao […]

A mudança foi percebida pelo setor privado já nas primeiras semanas do governo interino de Michel Temer. Ministros, secretários e até o presidente interino mostravam disposição em dialogar com executivos, empresários e banqueiros para a formulação de novas políticas. O cenário destoava daquele vivenciado no governo da antecessora, Dilma Rousseff, que muitas vezes chamava ao seu gabinete alguns desses empresários e banqueiros para dizer a eles como "ela achava que eles deveriam gerir seus negócios", segundo um deles. Alguns dos assuntos tratados nessas conversas com a nova equipe ­ ainda interina ­ são mais do que sabidos: ajuste fiscal, retomada de concessões e privatizações (e o desafio de financiá-las), câmbio, previdência.

O que nem todo mundo sabe é que na pauta de alguns dos principais bancos brasileiros não está a taxa de juro elevada, que ainda hoje é vista por algumas alas, especialmente à esquerda, como benéfica à banca. Um dos assuntos que mais têm dado dor de cabeça às instituições financeiras é o trabalhista. Em um grande banco do país, o número de ações trabalhistas corresponde a três quartos do total de funcionários e a Justiça tem sido solidária aos assalariados que enfrentam os gigantes e lucrativos bancos. Sem entrar no mérito (não tenho competência para isso), o que vale registrar é a mudança de postura da banca. Cansados de brigar nos tribunais, as instituições financeiras passaram a trabalhar ativamente na proposição de mudanças na legislação atual. Com o crescimento da taxa de desemprego nacional para 11,3%, alcançando 12,2% em São Paulo, onde estão sediadas algumas das maiores instituições, imagina -­se que seja mais fácil aprovar uma reforma. A terceirização, prevista no Projeto de Lei 4.330, aprovado em abril do ano passado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado, é uma das bandeiras dos bancos.

Outra é a permissão para que acordos definidos em convenção prevaleçam sobre a legislação. Atual ministro é tido como "fraco" para executar a tarefa.
Trata-se de uma equação difícil, em que o governo Temer, passado o impeachment, terá de atuar com destreza. Por um lado, é necessário reduzir a burocracia e modernizar as leis trabalhistas (a CLT é de 1940); por outro, não se pode deixar de garantir alguns direitos e benefícios, em se tratando de um país como o Brasil, com tamanha desigualdade econômico-social. Por ser uma tarefa tão complexa, um dirigente de banco acredita que ela não poderá ser encabeçada pelo atual ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que se elegeu deputado federal pelo PTB­RS e que foi empossado no ministério em maio deste ano. Nas palavras de mais de um executivo do setor financeiro, Nogueira é um bom sujeito, mas "fraco". Juntamente com o atual ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP­PR), é um forte candidato a ser substituído na reforma ministerial que Temer deverá fazer, passado o impeachment. A reforma, aliás, preocupa a banca. Executivos do setor entendem que Temer teve de ceder para que o impeachment de Dilma avançasse no Congresso, mas ressaltam que ele também deverá ter de ceder se quiser aprovar importantes reformas, entre elas a trabalhista e a previdenciária. "Essas duas reformas são muitas vezes tratadas de forma isolada, mas precisam caminhar juntas", explica um executivo, ressaltando que se o governo quer ampliar a idade mínima de aposentadoria, terá de dar espaço para a criação de empregos para trabalhadores com mais de 50 anos. Segundo a pesquisa Pnad contínua, divulgada pelo IBGE na semana passada, a taxa de desemprego na faixa de 40 a 59 anos subiu 43%, de 4,4% para 6,3%, entre o segundo trimestre do ano passado e o mesmo período deste ano. Em entrevista ao Valor, o coordenador do IBGE, Cimar Azeredo, informou que o desemprego entre os mais velhos estimula a entrada dos mais jovens no mercado para compor a renda da família. Empresas têm demitido funcionários mais velhos por várias razões: para substitui-los por jovens com salários menores, para reduzir custos de planos de saúde e também para atrair funcionários mais novos com domínio de novas tecnologias. Se a idade mínima de aposentadoria subir a 65 anos (homens) e a 60 ou 62 (mulheres), será preciso dar condições para que trabalhadores entre 50 e 65 anos encontrem emprego. Na reforma da Previdência, será também necessário ter regras que contemplem a desigualdade regional do país. De acordo com os mais recentes dados, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer é de 75,44 anos. Em 2014, entretanto, Santa Catarina registrava uma expectativa de 78,4 anos e São Paulo, de 77,5 anos, enquanto no Maranhão ela era de 70 anos, no Piauí, de 70,7 e em Alagoas, de 70,8 anos. Está na cara que a mesma regra não pode ser aplicada a todo o país, indistintamente. Caso contrário, o trabalhador de estados do Norte e Nordeste estará subsidiando a aposentadoria dos trabalhadores do Sul e Sudeste, que têm expectativa de vida mais alta.

Já que o governo vem conversando ativamente com os bancos, seria interessante que também se aprofundasse nas razões pelas quais o mercado secundário de papéis de dívida (como debêntures) não decola no país ­ e que agisse para corrigir a anomalia. Por questões tributárias e jurídicas, bancos têm fornecido crédito para as empresas via emissão de debêntures. O banco coordena a emissão e fica com todos os papéis em sua carteira. Há casos em que a instituição cria modelos matemáticos para que essas debêntures sejam efetivamente marcadas a mercado segundo os critérios de classificação do Banco Central para empréstimos ­ dependendo da nota, de A a H, há uma provisão mínima. Mas há situações em que o banco simplesmente marca a mercado o papel de acordo com preços referenciais disponíveis. Um papel sem liquidez, em momentos de dificuldades de tantas empresas, não tem seu valor de mercado refletido em preços de referência. Para a devida transparência, é preciso que se resolva de uma vez por todas a questão da liquidez das debêntures. Evitar que empréstimos sejam travestidos de emissões pode ser um primeiro passo.

Raquel Balarin é diretora de Conteúdo e Negócios Digitais.

Fonte: Por Raquel Balarin raquel.balarin@valor.com.br –  Valor Econômico

 

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