
Por Maria Maeno
A rapidez dos avanços tecnológicos no século XX colocou mais do que nunca na ordem do dia a possibilidade de poupar o homem do trabalho sujo, perigoso e adoecedor.
A realidade, no entanto, nos mostra que estamos distantes de uma situação de eliminação e controle dos riscos à saúde no trabalho. No Brasil convivemos com os velhos e novos males decorrentes de condições inadequadas de trabalho. Ao mesmo tempo em que continuamos tendo as velhas e conhecidas doenças relacionadas ao trabalho, tais como a silicose, a perda auditiva por ruído e intoxicações pelas mais variadas substâncias, as consideradas “modernas” tendinites, sinovites, síndromes do túnel do carpo e síndromes dolorosas miofasciais, entre outras entidades mórbidas clínicas relacionadas às Lesões por Esforços Repetitivos (LER) ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort), continuam a constituir aproximadamente metade das doenças ocupacionais registradas pela Previdência Social nos últimos anos.
Se forem consideradas as primeiras ocorrências do problema, as LER/Dort são relatadas desde a Antiguidade em trabalhadores que realizavam movimentos repetitivos e esforço físico por horas a fio, quase intermináveis. Se for considerada a epidemia que tem se alastrado em vários países, trata-se de um problema da modernidade que ganhou força na segunda metade do século XX.
A crescente industrialização e a busca cada vez maior de produtividade estiveram na origem do crescimento do número de trabalhadores atingidos pelas LER/Dort, consideradas um fenômeno social em vários países principalmente nas décadas de 50, 60, 70 e 80 do século XX. No Brasil, os primeiros casos foram identificados nos anos 1980, entre os digitadores, que iniciaram um movimento pelo seu reconhecimento como doenças ocupacionais pela Previdência Social, o que ocorreu em 1987. Desde então, trabalhadores das mais variadas categorias profissionais têm sofrido com essa forma de adoecimento.
Basta conhecer um pouco o mundo do trabalho para saber que a conjuntura socioeconômica e a reestruturação das empresas em busca do aumento da eficiência e produtividade – através da redução da mão-de-obra, do aumento da carga e do ritmo de trabalho – têm aprofundado características nocivas à saúde dos trabalhadores, gerando sentimentos de insegurança, angústia e baixa autoestima.
As LER/DORT – tenossinovites, tendinites, epicondilites, compressões de nervos periféricos e síndromes miofasciais – são expressões do desequilíbrio entre as exigências do trabalho e as possibilidades humanas, tanto no que se refere à capacidade física como mental. O resultado dessa equação é um grande contingente de trabalhadores jovens, com dores crônicas, incapacitantes, ceifados, na maioria das vezes, no auge da sua capacidade de trabalho, colocados à margem de qualquer possibilidade de ascensão social. Oneram os sistemas público e privado de saúde, a Previdência Social, as empresas e o poder judiciário. Proliferam os processos trabalhistas e previdenciários, em busca de indenizações e compensações financeiras que nunca devolverão a integridade física e psíquica aos impetrantes, mas que podem lhes permitir sobreviver, já que dificilmente conseguem se reabilitar e se reinserir no mercado de trabalho.
Em 2004, foram registradas 30.194 doenças ocupacionais na Previdência Social, em 2005, 33.096 e em 2006, 26.645. Estima-se que 45% desses afastamentos tenham sido por LER/Dort, que por seu afastamento do trabalho prolongado, oneram sobremaneira os cofres públicos. Segundo a Previdência Social, os gastos em 2005 com o pagamento de benefícios decorrentes de acidentes de trabalho atingiram a cifra de R$ 9,8 bilhões. Adicionalmente, observe-se que é consensual a opinião dos que atuam na área de que há uma subnotificação de pelo menos 80% dos acidentes do trabalho, boa parte deles contabilizados entre os segurados da Previdência Social que recebem benefícios não acidentários.
O sofrimento que testemunhamos nesses trabalhadores nos impõe construir políticas públicas de prevenção. Devem ser políticas que estimulem novas formas de organização do trabalho, que considerem o ser humano tão importante quanto a qualidade do produto ou do serviço prestado. Que considerem o relatório financeiro anual das empresas tão importante quanto o relatório do estado real da saúde de seus trabalhadores. A valorização do trabalhador deve sair dos discursos e passar para a prática.
Compreendendo a complexidade da situação, a III Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, realizada em novembro de 2005, foi convocada pelos ministérios da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social e teve organização intersetorial em todo o país nas etapas municipais e estaduais, que contaram com a participação direta de aproximadamente 100 mil pessoas. Trabalhar sim, adoecer não. Este foi o tema central.
Nestes anos, muitas ações desenvolvidas por órgãos governamentais têm auxiliado a evidenciar esse importante problema de saúde pública: a notificação compulsória de todos os casos de LER/Dort pelos serviços-sentinela do Sistema Único de Saúde (SUS), determinada pela Portaria 777/2004 do Ministério da Saúde e a definição de um protocolo de LER por aquela pasta, a publicação das portarias 8 e 9 do Ministério do Trabalho e Emprego, em 30 de março de 2007, abrangendo trabalhadores operadores de caixa e de telemarketing, inúmeros cursos para agentes públicos e profissionais de segurança e saúde do trabalhador em geral, a definição do nexo técnico epidemiológico como um dos critérios para estabelecimento do nexo causal pela perícia do INSS .
As recentes manifestações unificadas pelas centrais sindicais em torno da redução de jornada de trabalho são alvissareiras no tocante a possibilidades de se desenvolverem formas de organização do trabalho que contemplem os trabalhadores e seus limites físicos e psíquicos, propiciando a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, entre as quais as LER/Dort. Ganhariam todos, trabalhadores e sociedade, que até o momento arcam com o ônus financeiro desse processo de adoecimento, seja por meio da assistência do SUS, seja pela concessão de benefícios previdenciários pela Previdência Social e mesmo com a assistência social.
Medidas tomadas por algumas empresas, tais como instituição de ginásticas laborais, “cursos de conscientização”, equipamentos e instrumentos novos e vistosos, isoladamente, são inócuas no tocante à prevenção. É preciso um esforço unificado para que busquemos mudanças na organização e mercado de trabalho que possibilitem a prevenção de LER/Dort. Ao mesmo tempo, a sociedade deve prestar assistência integral aos trabalhadores já adoecidos, para que possam se recuperar e reabilitar, se necessário.
Nada disso é simples. Nada disso é fácil. Mas é possível fazer valer o dever constitucional do Estado de proteger a saúde dos trabalhadores.
Maria Maeno – Pesquisadora da Fundacentro
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